O novo mapa da regulação climática perante uma “transição imparável”

Europa recua na regulação verde enquanto China avança e nos Estados Unidos está suspensa. A questão decisiva europeia é suavizar a regulação para fomentar a inovação, defenderam especialistas do Banco de Portugal, Novo Banco e Católica Lisbon na conferência Green Finance.


Filipe S. Fernandes, Jornal PTGREEN

28 Nov 2025 - 15:09

António Baldaque da Silva, Ana Fontoura Gouveia, Patrícia Afonso Fonseca e Dina Rato | Foto: Jornal PT Green

“A transição está a acontecer e é imparável”, afirma António Baldaque Silva, diretor do Center for Sustainable Finance da Católica-Lisbon, sublinhando que a mudança é impulsionada não apenas pela regulação, mas também por consumidores mais exigentes e por tecnologias sustentáveis cada vez mais eficientes financeiramente.

Durante o painel, “O Novo Mapa Regulatório”, na conferência Green Finance, promovida nesta quinta-feira pelo Jornal PT Green com o apoio do Jornal PT50 e do Novo Banco, o especialista não poupou críticas à administração Trump.

“Esta política é péssima. Não há outra maneira de o dizer, e vai ter consequências muito más”, alertou, referindo-se ao afastamento dos Estados Unidos do processo de transição climática.

Ana Fontoura Gouveia, diretora de sustentabilidade do Banco de Portugal, contextualizou o aparente recuo europeu numa estratégia mais ampla. “O que vemos na Europa agora é um pacote de simplificação em matéria de sustentabilidade que se enquadra num pacote de simplificação mais vasto, precisamente para corrigir os custos de contexto das empresas”, explicou, frisando a necessidade de equilibrar ambição climática com competitividade industrial.

Mas não deixou de frisar que “os riscos climáticos existem e não desaparecem com as ambições industriais ou de competitividade. Os eventos climáticos extremos estão a tornar-se mais frequentes e mais intensos.” Ana Fontoura Gouveia destacou que Portugal é particularmente vulnerável a riscos de stress hídrico, stress térmico e incêndios, e que estes fenómenos afetam não apenas o país, mas toda a cadeia de valor global das empresas portuguesas.

Entre custos e oportunidades

Patrícia Afonso Fonseca, administradora do Novo Banco, trouxe a perspetiva de quem lida diariamente com empresas em transição. “A diversidade e as diversas velocidades que vemos do ponto de vista regulatório mostram bem os desafios que isto traz para os agentes económicos”, observou, sublinhando que a ambição regulatória europeia pode ter sido excessiva, “sem tempo necessário para que os agentes económicos se possam adaptar”.

A administradora do Novo Banco reconheceu, contudo, que o pioneirismo europeu pode ser transformado em vantagem. “Pode dar as ferramentas necessárias e uma antecipação às nossas empresas para se prepararem, nomeadamente para estarem mais alinhadas com critérios europeus e mais desenvolvidos, nomeadamente no acesso ao mercado de capitais”, assinalou Patrícia Afonso Fonseca.

António Baldaque da Silva, Ana Fontoura Gouveia, Patrícia Afonso Fonseca e Dina Rato | Foto: Jornal PT Green

Sobre o papel dos bancos na transição, Fonseca foi clara salientando que “a robustez financeira das empresas depende, hoje em dia, também de conseguirem incorporar o que são estes riscos climáticos nos seus planos de negócio.” A capacidade de antecipar e mitigar riscos climáticos condiciona diretamente o acesso ao crédito, especialmente para as PME.

Ana Fontoura Gouveia detalhou como o Banco de Portugal tem integrado o risco climático na supervisão bancária. “O risco climático alimenta aquilo que é o risco financeiro”, explicou, referindo que a instituição publica anualmente um relatório sobre a exposição do setor bancário português aos riscos físicos e de transição. “Começamos com uma avaliação que estava repleta de vermelhos e vamos passando para um laranja. Agora, neste relatório mais recente, já se veem algumas cores mais positivas”, celebrou, indicando uma evolução positiva do setor na incorporação de práticas sustentáveis.

‘Follow the money’

António Baldaque Silva foi otimista quanto à direção dos fluxos financeiros. “O investimento em energias verdes duplicou em dois anos, já representa 2% do PIB. A nível global, pela primeira vez há dois anos, o que nós investimos em energias verdes foi superior ao que se investia em combustíveis fósseis.” Contudo, o académico alertou para um problema: “A maior parte deste investimento está dedicado a tecnologias já maduras, ou seja, não estamos a preparar devidamente a próxima vaga de inovação tecnológica.”

Ana Fontoura Gouveia reforçou com números concretos: para cumprir os objetivos de 2030, a União Europeia precisa de cerca de 650 mil milhões de euros por ano em investimento adicional – metade público, metade privado. “Este investimento público tem de acontecer, porque é ele que depois catalisa a outra metade, que é o investimento privado.”

Sobre a recente COP30, António Baldaque Silva não escondeu a desilusão: “O que se conseguiu foi pouquíssimo. Foi muito menos do que na COP29, e foi muito menos do que na COP28.” O objetivo brasileiro de proteger florestas tropicais com 125 mil milhões resultou em apenas 5 ou 6 mil milhões angariados. O diretor do Center for Sustainable Finance destacou ainda a necessidade crescente de investimento em adaptação climática, citando Bill Gates: “Nós estamos a falhar na transição, temos que olhar para a adaptação de forma muito mais clara.” Atualmente, apenas 5% do investimento verde vai para adaptação, um rácio que terá de ser revisto.

António Baldaque Silva concluiu com uma nota de esperança: “A mudança vai ser feita de baixo para cima. Vai ser mudada pelas atitudes que nós, individualmente e nas comunidades em que nos inserimos, vamos ter e pela coragem que temos de exigir aos nossos governantes.”

O painel, moderado por Dina Rato, ROC e senior advisor em Governance, Risk e Compliance, revelou um setor financeiro consciente dos desafios, mas determinado a fazer da transição climática não apenas uma obrigação regulatória, mas uma oportunidade de negócio e de construção de um futuro mais sustentável.


Center for Sustainable Finance

The Center for Sustainable Finance (CSF) mission is: advancing the role of Finance in building a Sustainable World.

We believe that Finance has been a powerful lever in the development and prosperity of our societies, by empowering better decisions when allocating resources and capital. This role is critical as we face several (inter)generational challenges, from Climate Change to the sustainability of Retirement Systems.

The Center has the main goal to provide world-class expertise in Sustainable Finance by:

1) Contributing to rigorous academic study and knowledge building in the area of Sustainable Finance.

2) Participating in the acceleration of solutions to the challenges identified, with a particular focus on the Portuguese context.

3) Fostering the learning and advancement of capabilities in the focus themes, across all economic agents.

The Center's inaugural focus will be on Climate Change and the Transition to a low-carbon economy, where finance plays a key role in fueling innovation and channeling capital toward an economic system that is less dependent on carbon emissions. We believe that a well-managed transition empowers opportunities and allows for a more efficient and fairer transition.

Center for Sustainable Finance,

Developing Pathways for a Prosperous Future

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